domingo, 27 de dezembro de 2015

WhatsApp, Uber e Airbnb: por que essas ferramentas incomodaram tanto em 2015?



Bloqueio do WhatsApp causou comoção e gerou memes em todo o Brasil

Apps de celular e serviços ofertados via economia colaborativa estouraram em 2015, mas muita gente se opôs às novas tecnologias; especialista teme retrocesso entre brasileiros

Aplicativos que prometiam facilitar a vida dos consumidores e gerar uma renda extra provocaram a ira daqueles que se sentiram ameaçados pela concorrência, avaliada como desleal. Em São Paulo e no Rio de Janeiro, o Uber virou o queridinho da geração que faz tudo via app e que abraçou a opção de uma espécie de táxi com preço de 15% a 25% mais barato, mas cujo serviço não tem regulamentação. Por diversas vezes, as duas capitais tiveram manifestações, bloqueio de vias e brigas violentas entre taxistas e motoristas de Uber. Em ambas cidades, a guerra foi parar na câmara de vereadores e prefeituras.

Mas que mal tão terrível a economia colaborativa causa que deixa irados setores, empresas e trabalhadores como taxistas? Simples: seus serviços têm taxas menores e oferecem, como diferencial, um nível de atenção e qualidade acima do que um atendente de telemarketing ou um taxista ranziza proporcionam. (É claro que a maioria dos taxistas é cordial e educada, mas a má experiência é utilizada como ferramenta de atração dos novos serviços e se surge uma alternativa por que não tentar?)
“Parece que estamos vivendo uma nova fase do Ludismo. Estamos ateando fogo em tudo que pode trazer melhorias. O Brasil precisa ter um projeto como nação para a inovação. Não podemos mais colocar fogo nos maquinários porque não queremos perder nossos empregos. O tempo mostra que esse tipo de ação é estéril”, avalia Gil Giardelli, professor do Centro de Inovação e Criativiade da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing).
Segundo o “Novíssimo Dicionário de Economia”, o Ludismo foi um movimento ocorrido no século 19 (meados de 1812) no qual grupos de operários ingleses destruíam as máquinas introduzidas na indústria têxtil para impedir a perda de empregos. “Imaginem se vivêssemos sem máquinas até hoje. Onde estaríamos?”, questiona o professor. 
Para Giardelli, o País vive uma fase de antagonismos. “Vejo esse nosso momento com uma fase derivada das eleições, de uma lógica do olho por olho. Isso está fazendo mal para a sociedade. A economia compartilhada só prevalece onde um confia no outro. A corrupção que vivemos hoje nos gera uma sociedade sob desconfiança. Esse é o pior cenário para não florescer a economia compartilhada. É preciso dar um passo em frente. As eleições acabaram.” Giardelli classifica que 2015 foi um ano de retrocesso. “Passamos a ser uma pequena colônia.”
Taxistas protestam contra Uber no centro de São Paulo
Taxistas protestam contra Uber no centro de São Paulo
Já para Leonardo Dias, gestor das startups de Tecnologia da Informação e Comunicação  (TIC) do  Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec), o incômodo é pela perda de espaço, via aumento da competitividade e redução do lucro de empresas tradicionais. “É nítido que o segmento afetado vai reclamar, por proteção. As entidades vão tentar proteger seus representados. O dinheiro ficava todo na mão de grandes grupos e agora esse sistema se vê ameaçado e, então, cresce essa onda conservadora. A economia colaborativa dá acesso mais simples para diversos tipos de necessidade diferentes. Como você está colaborando e tem diversas ofertas de serviços, com diferentes qualidades, tamanhos e preços, isso aumenta as opções para o cidadão, aumenta a aderência para sua necessidade.”
Antonio Matias, presidente do Sindicato dos Motoristas e Trabalhadores das Empresas de Táxi no Estado de São Paulo (Simtetaxis), afirma que o problema do Uber é trabalhar com carros particulares, sem pagar impostos e sem ser regulamentado. “Isso torna a concorrência desleal. O Uber será bem-vindo se for no modal táxi, mas precisa regulamentar, pagar os mesmos impostos que a gente, não pode ser um carro privado. Será bem-vindo como os aplicativos. Hoje a maioria dos taxistas usa aplicativos. Não somos contra tecnologia. Pelo contrário”, afirma Matias.
Contra o Uber pesa ainda o slogan “aplicativo de caronas” – o que conceitualmente está incorreto, pois carona não se cobra. No dicionário da Academia Brasileira de Letras a definição de carona é “condução gratuita em qualquer veículo.”
Na sexta-feira (18), após um mês de chamamento, a Prefeitura de São Paulo abriu a outorga para 5 mil táxis executivos, cujo preço custa R$ 60 mil. Segundo o Simtetaxis, o número de novos carros é “suficiente” para a demanda da cidade. Mas é preciso questionar que tipo de trabalhador, autônomo ou assalariado, tem R$ 60 mil para pagar a outorga, além de ter um carro com motor 2.0. Outro fator é que a corrida do táxi corporativo é 25% mais cara que a do táxi comum, que é, no mínimo, 15% mais cara que uma corrida de Uber.
Apesar de falar em regularização, o aluguel e venda de alvarás de táxi na capital paulista não é novidade. O aluguel, explica o Simtetaxis, só pode ser feito em caso de doença ou pela viúva ou viúvo do dono da licença. Questionado sobre a venda ilegal dos alvarás, o presidente do sindicato nega que isso ocorra. “Com a liberação desses 5 mil carros que passam a integrar a frota em 4 de janeiro, a Prefeitura acabou com a máfia dos alvarás”, afirma. Mas é só fazer uma pesquisa na internet que é possível achar mais de uma dezena de sites especializados na venda e aluguel do documento.
“Para quem trabalha pelo Uber é muito bom porque desburocratiza. Esse trabalhador ou trabalhadora não conseguiria ter um carro, pagar o alvará de táxi, assim como o cara que faz Airb&b não conseguiria obter uma renda se tivesse de fazer inspeções no imóvel, ou colocar equipamentos de segurança de hotéis cinco estrelas. Mas o serviço é avaliado diariamente por seus usuários. O boca-a-boca indica o que está correto ou não”, avalia Dias, do Cietec.
Assim como o Simtetaxi, a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH Nacional) afirma que não vê problemas no uso da tecnologia, desde que a concorrência seja com as mesmas condições, pagamentos de tributos e obrigações.
“Na indústria hoteleira primamos pelo uso das tecnologias e investimos em inovação. Somos a favor da regulamentação do Airbnb porque nos preocupamos com a segurança dos hóspedes. Pregamos uma legalização do sistema. Somos a favor da distribuição de demanda desde que quem oferece o serviço atenda as condições legais, como nós. Por exemplo, uma hotel precisa ter alvará, extintor, segurança, tem inspeção regular dos bombeiros. Somos muito demandados com a segurança, com razão. Recolhemos impostos, registramos funcionários, como qualquer tipo de comércio. Se fizerem isso, serão bem-vindos”, defende Bruno Omori, diretor de Operações da ABIH Nacional.
Omori ressalta que a entidade trabalha na Câmara dos Deputados e dentro das entidades pela regulamentação do Airbnb. “Nossa proposta é que garantam segurança para os clientes e pagamento de impostos. Tem de ser feita uma lei para que sejam obrigados a pagar o seguro de responsabilidade civil, que pode ser usado em caso de acidentes. Tem de cobrar os mesmos impostos da hotelaria e precisa ter a licença do Bombeiro. Pregamos isso para vender o Brasil como um turismo seguro. Hoje o serviço deles é como se fosse um camelô, não paga imposto, não oferece segurança no consumo."
Para Dias, do Cietec, o lado negativo das plataformas é que são informais e se abstêm das responsabilidades. “Nos termos e condições de uso muitas das plataformas se eximem da responsabilidade sobre os serviços que intermedeiam. “Esse é o ponto frágil que precisa ser observado nos apps e plataformas em geral.”  
No dia 17 deste mês, pessoas de Norte a Sul do País entraram em “crise de abstinência”, que durou cerca de 12 horas, após a suspensão nacional do WhatsApp, conseguida pela Justiça de São Bernardo do Campo (SP). Esse foi o último lance de um ano no qual os gigantes das telecomunicações tentaram – via lobby no Congresso e ações judiciais – fazer com que o serviço fosse cobrado ou derrubado porque os clientes de telefonia aderiram em massa ao comunicador que pode ser em forma de texto, mensagem de áudio e até ligações que utilizam dados e não pulsos. Hoje elas já perceberam que a luta é inglória. No episódio da suspensão, umas das empresas a entrar com liminar para derrubar a suspensão foi uma operadora de telefonia.
Outra ferramenta que está no dia a dia das grandes cidades é o aplicativo para pedir táxis, que deixa consumidores do serviço e trabalhadores satisfeitos. Já há mais de uma dezena deles e mercado para todo mundo. Interessante de observar: vá a um espetáculo ou balada, que acabe de madrugada, e veja as pessoas na porta do lugar procurando seu táxi pelo nome do motorista e pela placa.
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