Apps de celular e serviços ofertados via economia colaborativa estouraram em 2015, mas muita gente se opôs às novas tecnologias; especialista teme retrocesso entre brasileiros
Aplicativos que prometiam facilitar a vida dos consumidores e gerar uma renda extra provocaram a ira daqueles que se sentiram ameaçados pela concorrência, avaliada como desleal. Em São Paulo e no Rio de Janeiro, o Uber virou o queridinho da geração que faz tudo via app e que abraçou a opção de uma espécie de táxi com preço de 15% a 25% mais barato, mas cujo serviço não tem regulamentação. Por diversas vezes, as duas capitais tiveram manifestações, bloqueio de vias e brigas violentas entre taxistas e motoristas de Uber. Em ambas cidades, a guerra foi parar na câmara de vereadores e prefeituras.
Mas que mal tão terrível a economia colaborativa causa que deixa irados setores, empresas e trabalhadores como taxistas? Simples: seus serviços têm taxas menores e oferecem, como diferencial, um nível de atenção e qualidade acima do que um atendente de telemarketing ou um taxista ranziza proporcionam. (É claro que a maioria dos taxistas é cordial e educada, mas a má experiência é utilizada como ferramenta de atração dos novos serviços e se surge uma alternativa por que não tentar?)
“Parece que estamos vivendo uma nova fase do Ludismo. Estamos ateando fogo em tudo que pode trazer melhorias. O Brasil precisa ter um projeto como nação para a inovação. Não podemos mais colocar fogo nos maquinários porque não queremos perder nossos empregos. O tempo mostra que esse tipo de ação é estéril”, avalia Gil Giardelli, professor do Centro de Inovação e Criativiade da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing).
Segundo o “Novíssimo Dicionário de Economia”, o Ludismo foi um movimento ocorrido no século 19 (meados de 1812) no qual grupos de operários ingleses destruíam as máquinas introduzidas na indústria têxtil para impedir a perda de empregos. “Imaginem se vivêssemos sem máquinas até hoje. Onde estaríamos?”, questiona o professor.
Para Giardelli, o País vive uma fase de antagonismos. “Vejo esse nosso momento com uma fase derivada das eleições, de uma lógica do olho por olho. Isso está fazendo mal para a sociedade. A economia compartilhada só prevalece onde um confia no outro. A corrupção que vivemos hoje nos gera uma sociedade sob desconfiança. Esse é o pior cenário para não florescer a economia compartilhada. É preciso dar um passo em frente. As eleições acabaram.” Giardelli classifica que 2015 foi um ano de retrocesso. “Passamos a ser uma pequena colônia.”
Já para Leonardo Dias, gestor das startups de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) do Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec), o incômodo é pela perda de espaço, via aumento da competitividade e redução do lucro de empresas tradicionais. “É nítido que o segmento afetado vai reclamar, por proteção. As entidades vão tentar proteger seus representados. O dinheiro ficava todo na mão de grandes grupos e agora esse sistema se vê ameaçado e, então, cresce essa onda conservadora. A economia colaborativa dá acesso mais simples para diversos tipos de necessidade diferentes. Como você está colaborando e tem diversas ofertas de serviços, com diferentes qualidades, tamanhos e preços, isso aumenta as opções para o cidadão, aumenta a aderência para sua necessidade.”
Antonio Matias, presidente do Sindicato dos Motoristas e Trabalhadores das Empresas de Táxi no Estado de São Paulo (Simtetaxis), afirma que o problema do Uber é trabalhar com carros particulares, sem pagar impostos e sem ser regulamentado. “Isso torna a concorrência desleal. O Uber será bem-vindo se for no modal táxi, mas precisa regulamentar, pagar os mesmos impostos que a gente, não pode ser um carro privado. Será bem-vindo como os aplicativos. Hoje a maioria dos taxistas usa aplicativos. Não somos contra tecnologia. Pelo contrário”, afirma Matias.
Contra o Uber pesa ainda o slogan “aplicativo de caronas” – o que conceitualmente está incorreto, pois carona não se cobra. No dicionário da Academia Brasileira de Letras a definição de carona é “condução gratuita em qualquer veículo.”
Na sexta-feira (18), após um mês de chamamento, a Prefeitura de São Paulo abriu a outorga para 5 mil táxis executivos, cujo preço custa R$ 60 mil. Segundo o Simtetaxis, o número de novos carros é “suficiente” para a demanda da cidade. Mas é preciso questionar que tipo de trabalhador, autônomo ou assalariado, tem R$ 60 mil para pagar a outorga, além de ter um carro com motor 2.0. Outro fator é que a corrida do táxi corporativo é 25% mais cara que a do táxi comum, que é, no mínimo, 15% mais cara que uma corrida de Uber.
Apesar de falar em regularização, o aluguel e venda de alvarás de táxi na capital paulista não é novidade. O aluguel, explica o Simtetaxis, só pode ser feito em caso de doença ou pela viúva ou viúvo do dono da licença. Questionado sobre a venda ilegal dos alvarás, o presidente do sindicato nega que isso ocorra. “Com a liberação desses 5 mil carros que passam a integrar a frota em 4 de janeiro, a Prefeitura acabou com a máfia dos alvarás”, afirma. Mas é só fazer uma pesquisa na internet que é possível achar mais de uma dezena de sites especializados na venda e aluguel do documento.
“Para quem trabalha pelo Uber é muito bom porque desburocratiza. Esse trabalhador ou trabalhadora não conseguiria ter um carro, pagar o alvará de táxi, assim como o cara que faz Airb&b não conseguiria obter uma renda se tivesse de fazer inspeções no imóvel, ou colocar equipamentos de segurança de hotéis cinco estrelas. Mas o serviço é avaliado diariamente por seus usuários. O boca-a-boca indica o que está correto ou não”, avalia Dias, do Cietec.
Assim como o Simtetaxi, a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH Nacional) afirma que não vê problemas no uso da tecnologia, desde que a concorrência seja com as mesmas condições, pagamentos de tributos e obrigações.
“Na indústria hoteleira primamos pelo uso das tecnologias e investimos em inovação. Somos a favor da regulamentação do Airbnb porque nos preocupamos com a segurança dos hóspedes. Pregamos uma legalização do sistema. Somos a favor da distribuição de demanda desde que quem oferece o serviço atenda as condições legais, como nós. Por exemplo, uma hotel precisa ter alvará, extintor, segurança, tem inspeção regular dos bombeiros. Somos muito demandados com a segurança, com razão. Recolhemos impostos, registramos funcionários, como qualquer tipo de comércio. Se fizerem isso, serão bem-vindos”, defende Bruno Omori, diretor de Operações da ABIH Nacional.
Omori ressalta que a entidade trabalha na Câmara dos Deputados e dentro das entidades pela regulamentação do Airbnb. “Nossa proposta é que garantam segurança para os clientes e pagamento de impostos. Tem de ser feita uma lei para que sejam obrigados a pagar o seguro de responsabilidade civil, que pode ser usado em caso de acidentes. Tem de cobrar os mesmos impostos da hotelaria e precisa ter a licença do Bombeiro. Pregamos isso para vender o Brasil como um turismo seguro. Hoje o serviço deles é como se fosse um camelô, não paga imposto, não oferece segurança no consumo."
Para Dias, do Cietec, o lado negativo das plataformas é que são informais e se abstêm das responsabilidades. “Nos termos e condições de uso muitas das plataformas se eximem da responsabilidade sobre os serviços que intermedeiam. “Esse é o ponto frágil que precisa ser observado nos apps e plataformas em geral.”
No dia 17 deste mês, pessoas de Norte a Sul do País entraram em “crise de abstinência”, que durou cerca de 12 horas, após a suspensão nacional do WhatsApp, conseguida pela Justiça de São Bernardo do Campo (SP). Esse foi o último lance de um ano no qual os gigantes das telecomunicações tentaram – via lobby no Congresso e ações judiciais – fazer com que o serviço fosse cobrado ou derrubado porque os clientes de telefonia aderiram em massa ao comunicador que pode ser em forma de texto, mensagem de áudio e até ligações que utilizam dados e não pulsos. Hoje elas já perceberam que a luta é inglória. No episódio da suspensão, umas das empresas a entrar com liminar para derrubar a suspensão foi uma operadora de telefonia.
Outra ferramenta que está no dia a dia das grandes cidades é o aplicativo para pedir táxis, que deixa consumidores do serviço e trabalhadores satisfeitos. Já há mais de uma dezena deles e mercado para todo mundo. Interessante de observar: vá a um espetáculo ou balada, que acabe de madrugada, e veja as pessoas na porta do lugar procurando seu táxi pelo nome do motorista e pela placa.
Brasileiros também comemoram com memes a liberação do WhatsApp
Nenhum comentário:
Postar um comentário