terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Campanha contra zika deixa lacunas no Rio de Janeiro

Forças Armadas enviam 220 mil homens às ruas, mas favelas e áreas de conflito ficam de fora da ação dos militares. Sede dos Jogos Olímpicos, o estado recebe o maior contingente de soldados.


Militares visitam casa à procura de focos do Aedes aegypti

Nada menos que 220 mil integrantes das Forças Armadas participaram neste sábado (13/02) de um dia nacional de mobilização contra o mosquito Aedes aegypti, transmissor de doenças como a dengue, a febre chikungunya e o zika vírus. Sob o slogan "Zika Zero", os militares ganharam as ruas munidos de panfletos, e a ordem do governo federal era para que os brasileiros fizessem um mutirão de limpeza para acabar com focos do mosquito.
Mas muitos se mostraram descrentes. Para gente como a aposentada carioca Antônia Necto da Silva, de 67 anos, a campanha faz pouco sentido. Moradora do Morro do Borel, uma comunidade pacificada na Zona Norte do Rio, ela conta que, embora haja sujeira e possíveis pontos de proliferação em diversas áreas da comunidade, por lá, não há qualquer sinal de prevenção. As informações e o apoio, lamenta, não chegam para todos.
Soldado da Marinha inspeciona possível ponto de proliferação
"Ouvi dizer que a região está cheia de mosquitos e lá no morro ninguém vai olhar. A gente ouve na televisão que não pode deixar água parada, mas ninguém ensina a diferenciar o mosquito do zika dos mosquitos normais. Minha neta de 6 anos está assustada e todo dia me pergunta se o mosquito é perigoso. Eu só digo a ela que também tenho medo de ficar doente. Aqui no Rio, se você ficar doente, não tem hospital funcionando, não tem remédio, não tem nada. 
stamos abandonados", disse a aposentada, ao lado da amiga Evangelina Pereira, de 85 anos.
"É assustador. Só sei que pagamos muitos impostos e nada funciona. Nem a prevenção, nem o governo, nem o sistema de saúde. O que posso fazer é tentar deixar tudo limpinho", afirmou Evangelina, resignada.
De fato, este é um dos maiores obstáculos à campanha de prevenção deflagrada no Rio de Janeiro. Áreas consideradas de conflito ficarão fora das ações das Forças Armadas. Morros, comunidades e regiões que sofrem com violência, tráfico de drogas e altos índices de infestação do mosquito – devido às condições precárias de saneamento básico – não receberão as visitas. Nessas áreas, o trabalho ficará sob a responsabilidade de agentes de saúde municipais, explicou o coordenador da operação, almirante de esquadra Sérgio Roberto Fernandes dos Santos.
"Nós trabalharemos desarmados. A única arma dos nossos homens será os folhetos que vamos distribuir com orientações para a população", declarou.
Militares ganharam as ruas munidos de panfletos sobre o vírus zika
71 mil militares no Rio
Oficialmente, a entrada de militares em áreas de conflito só é possível após um decreto presidencial que autorize a chamada Garantia da Lei e da Ordem (GLO) – o que não foi solicitado, segundo o governo federal, por tratar-se apenas de mobilização de conscientização de saúde pública e não de segurança. Representantes das Forças Armadas, porém, garantem que essa lacuna não atrapalha a eficácia da força-tarefa montada em território nacional. Sede dos Jogos Olímpicos, o estado do Rio de Janeiro ganhou o maior contingente da operação – 71 mil militares já estão em ação em 32 municípios, além de 49 bairros da região metropolitana. Durante toda a ação, prevista para durar um mês, vão trabalhar 31 mil homens da Marinha, 30 mil do Exército e 10 mil da Aeronáutica.
Segundo o coronel Isaías Martins Júnior, do Comando do Primeiro Batalhão da Polícia do Exército, no bairro de Vila Isabel, Zona Norte do Rio, nos arredores do Maracanã, a resposta da população tem sido positiva, já que as pessoas estão se dando conta da gravidade da situação e da necessidade de empenho coletivo para erradicar focos do mosquito transmissor.
"Estamos atuando em áreas onde há aglomerações, para difundir informação. As pessoas estão receptivas, recebem o material e as orientações com interesse, e notamos que ninguém joga o panfleto fora, como acontece normalmente em ações de panfletagem", afirmou.
O coronel tem, ainda, uma motivação extra para enfrentar a coordenação do trabalho sob o sol forte e o calor gerado pela pesada farda militar: a própria esposa dele, Maria Cláudia, de 44 anos, é uma das vítimas do vírus zika. Está em casa, em repouso, com febre, dores no corpo e manchas vermelhas pelo corpo.
"Eu não vivo numa região endêmica, e por isso é importante espalhar informações de combate ao mosquito e mobilizar as pessoas, conscientizá-las em todos os lugares. O maior problema é achar que existe área segura. Não existe. Temos de impedir a proliferação do mosquito em todas as áreas, pois ainda não sabemos quais os efeitos do zika no corpo humano a longo prazo", ressaltou ele, preocupado.
Escolas na lista de checagem
As ações serão reforçadas a partir da semana que vem, quando os militares vão visitar escolas da rede pública para reforçar o trabalho de conscientização de crianças e adolescentes. Ao todo, 646 unidades da rede pública de ensino serão visitadas, além de colégios particulares. Lojas e centros comerciais também estão na lista de inspeção, e a expectativa é que os militares cheguem a 100% dos imóveis indicados em 30 dias.
Somente neste sábado, a meta, em todo o Brasil, é visitar 4 milhões de residências. Além da distribuição de material informativo, grupos também circulam em casas particulares, edifícios e condomínios para verificar pontos vulneráveis e, principalmente, pedir maior adesão popular à campanha. Para Maria Helena da Silva, de 65 anos, porém, os esforços chegaram tarde. Ela trabalha como acompanhante de idosos e contraiu dengue, mesmo se esforçando para eliminar poças de água parada em casa e monitorar o lixo da vizinhança. Falta comprometimento, avalia.
"Eu senti que tinha sido picada, mas não dei importância. Quando tive febre, dor nas juntas, tonteira, procurei o médico e fui diagnosticada com dengue. Só aí me dei conta! Já aprendi a não deixar água nos pratinhos sob as plantas e recolher vasilhames abandonados no quintal e na rua para não acumular água, mas as pessoas precisam fazer mais. Eu estou fazendo a minha parte, mas não posso obrigar meus vizinhos a fazerem o mesmo. Isso é preocupante!", afirmou.

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