O apagar das luzes e o momento de dizer adeus ao Haiti se aproximam. Maior contingente militar desde o início da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah), o Brasil se prepara para encerrar a maior mobilização da história de suas tropas no exterior.
Ao que tudo indica, porém, o descanso será curto: o Exército está prestes a bater o martelo sobre o próximo destino sob a égide da ONU.
O sol a pino é o mesmo, a estrada empoeirada também. Mas as tarefas executadas no Camp Charlie, base do BRABAT 26, não poderiam ser mais diferentes daqueles primeiros contingentes que desembarcaram em Porto Príncipe em meados de 2004 e encontraram uma polícia corrupta e uma cidade dominada por gangues. Se naquela época se discutiam ações os soldados saiam às ruas para combater inimigos armados com metralhadoras e fuzis, o ambiente agora é dominado pelo som de marteladas.
Desde abril, quando o Conselho de Segurança da ONU aprovou o encerramento da Missão, a rotina envolve acima de tudo catalogar, etiquetar, auditar e decidir o que fica e o que volta para o Brasil de toda a parafernália utilizada pelas tropas em mais de uma década.
Último país a deixar o solo haitiano (ainda permanecem uma companhia de engenharia do Paraguai, um hospital de campanha da Argentina e dois helicópteros do Bangladesh, mas os militares do patrulhamento já foram embora), o Brasil assumiu pela primeira vez as bases no interior do país, enquanto transfere aos poucos as áreas da capital para a Polícia Nacional Haitiana. Em junho, foi a vez de Cité Soleil, considerada a favela mais pobre de todo o Ocidente e palco de batalhas sangrentas contra as milícias chiméres logo no início da missão. Julho e agosto reduziram o ritmo e o patrulhamento na rua agora é esporádico.
"A gente percebe que a população já está cansada da gente. Não está contra, até porque com o brasileiro o haitiano verbaliza muito o apoio. Mas assim, é um outro país aqui né […]. Por exemplo, antes, no trânsito a gente descia do comboio, mandava parar, respeitavam a ordem, hoje já tem que forçar, o cara às vezes quer passar mesmo assim. São 13 anos, o país está melhorando um pouco, vai exaurindo", conta o subcomandante do BRABAT 26, coronel Luís Cláudio Romaguera Pontes.
Próximo destino
A base brasileira em Porto Príncipe está tomada de adesivos. São eles que determinam o que será repatriado ou não ao Brasil. O material com etiqueta amarela será levado a instituições de caridade, os com etiqueta azul serão entregues a ONU e as etiquetas verdes são, justamente, o que está sendo empacotado. Boa parte do tempo do BRABAT 26 foi empregado na construção de enormes caixas de madeira que acondicionarão armamentos e mobiliário que embarcam em contêineres de volta ao Rio de Janeiro e a Pindamonhangaba, interior de São Paulo, até o final de outubro.
Mas eles não devem ficar nessas cidades por muito tempo. Romanguera revelou com exclusividade para a reportagem da Sputnik Brasil o que parece ser o próximo destino das tropas nacionais: a República Centro-Africana. A informação contraria relatos anteriores que davam como certo o envio de homens ao Líbano, país da ascendência do presidente Michel Temer, onde o Brasil já tem um destacamento da Marinha e relações diplomáticas mais sólidas.
O martelo não está batido, mas ao que tudo indica, de acordo com Romanguera, que "o Ministério da Defesa direciona para a República Centro-Africana (RCA)". O país vive uma situação de caos generalizada desde 2012, quando rebeldes da coalizão Séléka tomaram o poder e forçaram a fuga do então presidente François Bozizé. A França interveio no conflito e desde 2013 mantém tropas no país.
A escolha pela RCA teria sido mencionada mais de uma vez por meio de videoconferências diárias realizadas entre o comando do BRABAT e autoridades brasileiras. O favorito Líbano teria sido posto de lado porque a Espanha, que detém tropas no país, não tem interesse em deixar o comando. Outra opção ventilada, o Chipre, considerada uma missão mais tranquila, possui tropas da Argentina que também não têm planos de sair.
"A ONU não vislumbra uma substituição nesses países, mas já sinalizou que precisaria de um batalhão brasileiro na República Centro-Africana. O Ministério da Defesa quer o quanto antes partir para a próxima missão para aproveitar o legado porque a estrutura criada aqui no Haiti tende a esvaziar, para retomar depois fica pior. A ideia é o quanto antes enviar o pessoal para África […]".
Ainda de acordo com Romanguera, agora são decididas informações de natureza mais técnica, como por exemplo a forma de enviar o material que sai do Haiti à África. Como a República Centro-Africana não tem litoral, seria necessário costurar um acordo com o vizinho Camarões. Também será necessário analisar a logística por terra, a análises de risco (que tende a ser muito mais minuciosa que a feita no caso do Haiti), etc. O Exército, porém, vislumbra a possibilidade de já partir no ano que vem, embora segundo o coronel, seja "difícil precisar o mês".
Depois de definido o destino, ainda será necessário aprovação do Congresso Nacional, da Presidência da República e do ok do Conselho de Segurança da ONU. Resta saber se, em ano de eleição, toda a tramitação burocrática irá andar na velocidade que querem os militares.
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