quarta-feira, 30 de setembro de 2015

'Cultura de corrupção' não é desculpa para pagar propina, diz especialista em 'sanear' empresas


O jurista alemão Andreas Pohlmann na Conferência Ethos 306°, em São Paulo (Foto: Fernando Manuel)

Jurista alemão Andreas Pohlmann afirma que quem paga propina quer, na verdade, ser promovido



Em geral, as empresas envolvidas em casos de corrupção sofrem de uma "lacuna" originada em presidentes e CEOs, que falham ao não deixar claro a seus funcionários que querem negócios limpos, sem exceção.
Quem diz isso é o alemão Andreas Pohlmann, um dos mais conhecidos consultores mundiais de compliance – controle interno para garantir que companhias atuem em conformidade com a lei.
Ele faz parte, com a ex-ministra do STF (Supremo Tribunal Federal) Ellen Gracie, do comitê de investigação criado pela Petrobras como resposta ao escândalo de corrupção revelado pela operação Lava Jato, composto ainda por João Adalberto Elek Junior, diretor da nova área de Governança, Risco e Conformidade (um nome grande para compliance).

Doutor em direito, o alemão chefiou, na Siemens, o processo interno que levou a empresa a confessar o pagamento de propina a agentes públicos em ao menos dez países – no Brasil, isso levou à denúncia da existência de um cartel para fraudar licitações do Metrô de São Paulo, sob investigação na Justiça estadual.
Em entrevista à BBC Brasil, Pohlmann, que na semana passada falou sobre o tema na Conferência Ethos 360°, realizada pelo Instituto Ethos em São Paulo, diz que profissionais que relatam ter pago propina porque "isso é parte da cultura do país" mentem. "A verdade seria: quero ser promovido", afirma. "Não há nenhum país no mundo em que a corrupção seja permitida."
Por causa de seu trabalho em curso na Petrobras, Pohlmann diz não poder falar sobre a estatal. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
BBC Brasil - O sr. já escreveu sobre a influência de diferenças culturais na área de compliance. Como as empresas devem agir? Criar uma regra para cada país?
Andreas Pohlmann - Os padrões e requisitos legais estão convergindo globalmente. Se olhamos para a legislação anticorrupção internacional, notamos essa tendência de convergência.
Você vê as mudanças ocorridas no Reino Unido, no Canadá, no Brasil. Os padrões que estão sendo criados são muito semelhantes nesses países.
Se a ideia é cooperar globalmente com outras empresas, o aconselhado é implementar um programa de compliance alinhado com esses padrões internacionais.
(Foto: Agência Petrobras de Notícias)
Pohlmann integra comitê criado pela Petrobras após eclosão do escândalo da Lava Jato, que investiga esquema de propina em obras como a refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco (foto)

BBC Brasil - O sr. desempenhou um papel importante no caso Siemens. Qual é a maior dificuldade desse tipo de trabalho? Como mudar práticas adotadas por anos, talvez décadas?
Pohlmann - A parte mais desafiadora é, certamente, mudar a cultura. Porque, quando você confronta a corrupção, é muito frequente que constate uma lacuna de valores, de cultura corporativa, de orientação de valores.
E, muito frequentemente, uma lacuna de um apropriado "tom" vindo do topo. O time executivo – especialmente CEO, presidente e executivos sêniores – precisam deixar claro a seus funcionários, de uma maneira bem transparente e inflexível: "queremos fazer negócios limpos, sem exceção, em qualquer lugar do mundo. E esperamos isso de todos em nossa organização".
É uma lacuna muito comum, e não é visível. Na minha experiência, esse é um dos maiores principais desafios: reimplementar, reforçar isso em uma organização.
BBC Brasil - Se a empresa chega e confessa um crime, diz que quer pagar uma multa... como os governos recebem isso?
Pohlmann - Se a companhia voluntariamente revela e comprova o fato às autoridades, isso vai lhe dar crédito. Mas ela sabe que uma multa deve ser aplicada.
A empresa tem de comprovar os fatos, de forma aberta e transparente, fazer um contrato de verdadeira colaboração – isso significa que ela realmente irá adiante, que dará todas as informações sobre as condutas erradas. E não que revelará apenas um pouco e esconderá grande parte do que está ocorrendo.
No caso de fornecer essas informações, é claro que as autoridades, segundo a experiência que tive em muitos países, vão considerar esse comportamento em favor dessa companhia.
BBC Brasil - No Brasil, algumas empresas culpam o serviço público pelos casos de corrupção, dizendo ser impossível fazer negócios com o governo sem pagar propinas. Podemos considerá-las assim, como vítimas?
Pohlmann - Fui várias vezes confrontado com esse discurso na minha carreira. O que ouvia era o seguinte: "Fiz isso por causa dos interesses da minha companhia. Não coloquei nenhum centavo no meu próprio bolso".
Ouvi que as empresas honestas estavam sendo estúpidas, que compliance era uma desvantagem competitiva. Que todo mundo faz isso, que em alguns países é simplesmente parte da cultura, que "preciso fazer isso para conseguir o negócio".
E isso não é verdade. O que digo é que, quando alguém diz "fiz isso pelos dos interesses da minha empresa, não coloquei nenhum centavo no meu bolso", a verdade é: "quero ser promovido pela companhia, eu quero conseguir o meu bônus".
E se você ouvir que compliance é uma desvantagem competitiva... Não é verdade. Há muitos exemplos que comprovam que a corrupção não é um fundamento para um negócio sustentável.
E se você ouve que todos fazem isso nesses países, que é parte da cultura e que você precisa pagar propina para obter um negócio: não há nenhum país no mundo em que a corrupção seja permitida. Nenhum país. Pagamentos de propina devem ser investigados e virar alvo de processos. Isso é proibido em todo o mundo.
Estação da CPTM em Sâo Paulo (Foto: A2 Fotografia)
Revelações da Siemens levaram a denúncia da existência de cartel em obras do Metrô de SPBBC 

Brasil - Pessoas contrárias aos acordos de leniência (em que empresas confessam crimes, pagam multas e colaboram com as apurações em troca de poder continuar fazendo negócios com o governo) dizem que eles são feitos para proteger as companhias, em vez de puni-las. E que o preço das multas já estaria incluso nos negócios...
Pohlmann - Não se pode incluir o custo da corrupção em nenhum negócio. Já sobre os acordos de leniência, em casos específicos eles fazem muito sentido.
A companhia seria requerida a revelar as coisas erradas, os abusos, e a ser transparente, a realmente cooperar com as autoridades. E, em razão desse comportamento, é que as autoridades consideram prover e concluir um acordo de leniência entre os promotores, a Justiça e a empresa.
E se ela vai adiante, de forma voluntária, aberta e transparente, isso também mostra que quer mudar sua cultura, seguir adiante, superar essa crise de "nãocompliance" e se tornar uma empresa melhor.
BBC Brasil - Existe uma diferença entre desenvolver sistemas de complianceem empresas públicas e privadas?
Pohlmann - Não acho que seja necessariamente o caso. Compliance significa trabalhar de acordo com a lei. Independentemente de essa empresa ser pública ou privada, sua equipe de líderes e funcionários deve fechar negócios de acordo com as leis e regras locais.
E, para isso, as companhias precisam desenvolver e implementar um programa decompliance. É claro que eles podem diferir em companhias públicas e privadas, mas têm de ser dedicados às regras legais aplicáveis a essa empresa em questão.
BBC Brasil - Há algo em particular no Brasil em relação aos outros países em que o sr. atuou?
Pohlmann - Não vejo isso. O Brasil é um grande país, uma grande indústria. Há nos negócios brasileiros profissionais que querem ser sustentavelmente bem-sucedidos no mercado. Assim como ocorre na Ásia, por exemplo.
E não acredito que haja uma grande diferença quando você analisa as condutas erradas, as propostas de "não compliance". No Brasil, nos Estados Unidos, na Europa, na Ásia, na África... é algo que você vê em todo o mundo. É claro que em algumas regiões é mais frequente e em outras, menos.
Andreas Pohlmann na Conferência Ethos 360° (Foto: Fernando Manuel)
Andreas Pohlmann falou sobre papel de empresas no combate à corrupção em evento em São Paulo

BBC Brasil - Brasil tem uma Lei Anticorrupção desde 2013, e há agora muitas empresas preocupadas com compliance. É uma tendência global?
Pohlmann - Não há um motivo para uma "preocupação". Compliance é um componente normal do ato de fazer negócios, especialmente quando você faz atua globalmente.
No contexto internacional, mais e mais parceiros de negócios de companhias no Brasil, nos Estados Unidos, na Europa, na Ásia, na África estão sendo inspirados por elas a atuar em conformidade com as regras legais.
Esse é só "o" caminho de se fazer negócios. E "o" caminho de se fazer negócios precisa apenas ser entendido por todos. Estar em compliance é uma grande oportunidade para convencer uma companhia que age a assim, e quer fazer negócios, de que sou o parceiro certo.
BBC Brasil - Podemos dizer, então, que há cada vez menos espaço para fazer negócios da maneira errada?
Pohlmann - Sim. Há menos espaço no mundo para fazer negócios "nãocompliance". Padrões e regras legais estão em desenvolvimento e convergindo globalmente.
E a gente vê, no Brasil e na Ásia, o reforço desse desenvolvimento. Hoje, autoridades, promotores, governos entendem que precisam tomar medidas intensivas para evitar e prevenir comportamentos desse tipo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário