São Paulo — A presidente afastada Dilma Rousseff (PT) protagoniza hoje o penúltimo capítulo do julgamento final do seu processo de impeachment, que já se arrasta há mais de nove meses. A partir das 9h, pela primeira vez, ela apresenta pessoalmente sua defesa contra a denúncia de que teria cometido crime de responsabilidade ao praticar as chamadas pedaladas fiscais e abrir créditos suplementares sem autorização do Congresso.
Aliados da petista no Senado garantem que o discurso da presidente nesta segunda-feira será suficiente para reverter o placar desfavorável a ela. Para evitar o impeachment, ela precisa de 28 votos. A missão, no entanto, já é dada como perdida até para os mais próximos.
Com remotas chances de virar o jogo agora, analistas apostam que Dilma assumirá a tribuna do Senado com outro objetivo: redimir sua biografia e cravar a sua própria versão do impeachment para a história.
Há alguns meses, uma equipe de documentaristas acompanha a rotina da presidente afastada. Hoje eles estarão a postos no Senado. É de olho na narrativa que o grupo irá montar que a petista deve talhar seu discurso.
“A fala da Dilma vai ter um grande impacto, um impacto violento na opinião pública”, afirmou o senador Lindbergh Farias (PT-RJ), ontem, minutos antes de entrar na reunião dos apoiadores da presidente no Congresso.
A questão é quando tal estratégia irá repercutir. “O PT sabe que, para o curto prazo, não há efeito algum. Ocorre que é preciso completar a narrativa do golpe e isso supõe o capítulo derradeiro em que há uma coreografia do processo de martírio da presidente”, afirma o sociólogo Antonio Lavareda, presidente do conselho do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe). “Parafraseando Getúlio, Dilma entra na dramaturgia para tentar achar um lugar na história”.
Da narrativa
Os argumentos da petista nesta segunda não devem fugir da tese martelada à exaustão de que o impeachment seria um golpe e de que a oposição estaria rasgando a Constituição. O pano de fundo da narrativa, contudo, deve ir além disso.
É a personagem “Dilma coração valente”, como prometia o jingle de sua campanha à reeleição em 2014, que deve emergir nesta segunda. É Dilma, a primeira mulher eleita presidente do Brasil que lutou contra o golpe militar e que, agora, digladia para evitar um golpe parlamentar.
Nos últimos tempos, a petista — que se embaralhou tantas vezes em discursos enquanto estava no poder — tem sido meticulosa na escolha do conteúdo que irá legar para a história.
“Já sofri a dor indizível da tortura, a dor aflitiva da doença. Agora sofro, mais uma vez, a dor igualmente inominável da injustiça”, disse em seu primeiro discurso como presidente afastada. E arrematou no último ato público contra o impeachment: “Quando falam que eu tenho capacidade de resistir é porque eu tenho que honrar as mulheres do meu país”.
Interrogatório
Dilma chegará ao Senado acompanhada de uma comitiva de cerca de 30 pessoas. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que desapareceu dos últimos atos contra o impeachment, estará entre eles.
Não haverá complexos protocolos no processo. A princípio, a petista será recebida pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, e falará por cerca de 30 minutos. Depois, cada senador inscrito poderá questioná-la por até cinco minutos. Não há limite para o tempo de resposta da presidente afastada.
Em reunião neste domingo, senadores da base aliada de Michel Temer prometeram não ceder à provocações. Mas afirmaram que Dilma é quem dará o tom da sessão. Se ela “extrapolar”, como disse o senador Ronaldo Caiado (DEM-MS) — um dos mais exaltados nos últimos dias —, eles irão revidar.
O discurso dos aliados de Temer não é gratuito. Uma das principais preocupações do presidente interino é que Dilma saia vitimizada do processo e que o tom do interrogatório endosse a tese de golpe. Ao jogar nos ombros da petista a responsabilidade pelos ânimos do plenário hoje, eles tentam minimizar esse risco.
Desde o início do julgamento na última quinta-feira, Dilma está reclusa no Palácio do Alvorada treinando para o interrogatório. Neste domingo, recebeu visita até de seu padrinho político, Lula.
Apesar do PT ter se distanciado da presidente afastada nos últimos tempos, todos sabem que futuro do partido depende de uma narrativa bem costurada nesta segunda. Está nas mãos de Dilma Rousseff cumprir esse feito.
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