sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Catolicismo e Meio Ambiente (Grupos.com) - Ressalva: No passado os católicos devastaram a Natureza e mataram os Indígenas

CATOLICISMO E MEIO AMBIENTE

  
Introdução

Esta palestra representa um entre cinco, sobre Religiões e Meio Ambiente. Fui especialmente convidado para falar de Catolicismo e Meio Ambiente. É um tema muito vasto e também muito importante. Quero começar minha tarefa, esclarecendo, um pouco, as palavras “Catolicismo e Meio Ambiente”.
Em primeiro lugar, quanto ao Catolicismo creio que não seria necessário dizer muita coisa, pois suponho que estou falando a um público razoavelmente informado a seu respeito. Mesmo assim, chamo sua atenção para alguns aspectos importantes.
A Religião Católica é uma religião cristã, visto que é constituída de pessoas que crêem em Deus por Jesus Cristo, Filho de Deus. A fé em Jesus Cristo se baseia, por assim dizer, sobre um tripé: a Bíblia, a comunidade de fé e o magistério da Igreja.
Em primeiro lugar o Catolicismo reconhece a Bíblia como seu primeiro fundamento, tanto o Antigo como, sobretudo, o Novo Testamento. A Bíblia também é caracterizada como Sagrada Escritura, e o Catolicismo reconhece-a como um livro diferente, um livro que contém a revelação do próprio Deus, de suas obras e intenções a respeito do ser humano. É um livro também chamado “Palavra de Deus”, já que ele contém a sua grande e importante palavra.
Na verdade, é uma palavra original porque não trata apenas da palavra, como símbolo de um saber intelectual, mas trata da manifestação, por assim dizer, do esforço de Deus por estabelecer relações de amor e intimidade com os homens. Não é, pois, uma ciência, no sentido moderno, mas nos manifesta a intenção de pessoas que vêm ao encontro dos homens. Por isso, os dois Testamentos são ainda chamados de Antiga e Nova Aliança, já que aliança diz respeito a uma relação entre pessoas.
O apóstolo e evangelista João, no prólogo de seu Evangelho, chamou Jesus Cristo de “Verbo”, quer dizer, “Palavra”. A palavra de Deus então indica aqui, de modo eminente, o próprio Jesus Cristo, o Deus palavra. Portanto, a “Palavra” designa a pessoa de Jesus Cristo que veio para mostrar-nos o Pai. Como toda palavra manifesta um sentido, um conceito e é a imagem da coisa em nossa mente, também Jesus, o Verbo, é a imagem perfeita do Pai, razão por que, quando um Apóstolo pediu a Jesus: “Mostra-nos o Pai e isto nos basta”! Jesus lhe disse: “Quem me viu, viu o Pai. Como podes dizer : “Mostra-nos o Pai?!” Não crês que eu estou no Pai e que o Pai está em mim?” (Jo 14,8-10).
Como pessoa, a palavra representa uma linguagem original, cujo sentido é captado por outro método que aquele das ciências. A hermenêutica, neste caso, tem uma importância relativa. Nós necessitamos de uma outra luz para descobrirmos seu significado pleno. Esta luz chama-se de luz da fé que ilumina a mente. A fé, entretanto, não só é luz, mas também “calor”, pois “aquece” o coração, o que é próprio do amor, da intimidade de pessoas. Já que se trata de intimidade de pessoas, a Palavra de Deus torna-se um acontecimento, uma vivência.
Existem incontáveis exemplos, antigos e atuais, desse acontecer na pessoa que tem fé. São Justino, filósofo pagão, apenas 150 anos depois de Cristo, converteu-se ao cristianismo, ao ler a Bíblia, graças ao conselho de um velhinho misterioso, que lhe falou dos profetas que “haviam anunciado somente a verdade”. Justino tomou a Bíblia e nos conta:
“A minha alma, de repente ficou iluminada por um fogo como se fora a luz do meio dia. Senti-me enamorado dos profetas e das pessoas amigas de Cristo. Pensei e repensei em todas aquelas palavras e entendi: entendi que esta é a única verdadeira e útil filosofia. É assim que sou filósofo. Gostaria, aliás, que todos experimentassem o que eu sinto e que não se afastassem da doutrina do Salvador”[1].
Um outro exemplo, embora mais caseiro, é o do Sr. João Luiz Pozzobon. A uma certa altura de suas longas caminhadas por muitas estradas, ao visitar famílias e escolas, rezar o terço e dar catequese, não se conteve e exclamou, na minha presença: “Se me encontrarem morto na beira da estrada, saibam que morri de alegria!”. A sua alegria provinha da presença divina em seu coração.
Exemplos como estes ilustram o segundo “pé” sobre o qual se apóia a Igreja Católica, isto é, a vida de fé da comunidade. Quando, através dos tempos, toda a comunidade vive crendo em alguma realidade relacionada com a Bíblia, essa realidade passa a ter foros de verdadeira. Seu fundamento é a fé constante da comunidade. Por exemplo, a realidade da Imaculada Conceição não está expressamente revelada na Sagrada Escritura, mas foi objeto permanente da fé dos cristãos.    
O terceiro pé sobre o qual se fundamenta o Catolicismo reside no chamado “Magistério da Igreja”, o qual se funda na incumbência dada pelo próprio Cristo a Pedro e com ele aos Apóstolos, o de serem os garantes da unidade da vida dos discípulos e também as testemunhas na confirmação da fé. Encontramos esta incumbência em todos os quatro Evangelhos. Naquele de Mateus, basta recordar a confissão de Pedro: “Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo”. Jesus respondeu-lhe: “Bem-aventurado és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi carne ou sangue que te revelaram isto, e sim o meu Pai que está nos céus. Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha Igreja. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus e o que ligares na terra será ligado nos céus” (Mt 16,16-19; cf 18,18; 28,18).
Na última ceia, Jesus incumbe Pedro de confirmar os demais: “Eu orei por ti (Pedro) a fim de que tua fé não desfaleça. Quando, porém, te converteres, confirma teus irmãos” (Lc 22,32). Finalmente, por três vezes, Jesus pergunta a Pedro se o ama e por três vezes lhe diz: “Apascenta os meus cordeiros e as minhas ovelhas” (Jo 21,15s). Apascentar é, pois, uma imagem para dizer convocar, velar, defender assim como faz o bom pastor.
Um outro conceito que está em nosso título é Meio Ambiente. Aqui também não é preciso dizer muita coisa porque dele se fala em toda parte, nas escolas e em todos os meios de comunicação. A própria palavra indica o sentido. Trata-se do lugar e dos elementos que compõem o hábitat dos seres vivos e, sobretudo, dos seres humanos. O dicionário Aurélio define-o como “lugar onde se vive, com suas características e condicionamentos geofísicos”. Compõe-se de muitos fatores: de terra, água, ar, luz, flora, fauna, de resíduos da era tecnológica e de suas benéficas, ou maléficas influências. Portanto, tudo o que faz parte do “lugar onde se vive” compõe o meio ambiente.
Mas o conceito de Meio Ambiente engloba ainda e, sobretudo, o equilíbrio entre esses fatores, fazendo com que o lugar se torne adequado para a vida. A partir, pois, do Meio Ambiente, iniciemos a nossa consideração.

1. Deus criou o Meio Ambiente

Todo e qualquer tema que o Catolicismo como tal tem em vista,  trata-o com uma ciência própria, a teologia. Ela trata de todo o conhecimento que Deus nos revelou. Em se tratando de um conhecimento revelado, significa que, num primeiro momento, representa um saber que vem de Deus a respeito do universo e a respeito de nós também. Só num segundo momento, se torna um saber nosso, uma ciência, razão por que a nossa ciência teológica se baseia em fatos e palavras reveladas. É um conhecimento que se encontra na Bíblia, na fé da comunidade cristã e no magistério da Igreja, como já mencionamos.
O que, pois, nos dizem essas três fontes acerca do Meio Ambiente? A primeira delas é a Sagrada Escritura que, desde as suas primeiras páginas, nos fala, nada menos, que do meio ambiente, já que os seus dois primeiros capítulos tratam da criação do meio ambiente para o homem. Justamente, toda a Bíblia começa assim: “No princípio, Deus criou os céus e a terra” (Gen 1,1). Em seguida, ela especifica: Deus criou a luz, separou as águas da terra para fazê-la habitável, criou os vegetais, os astros, os peixes e animais que habitam nas águas e todo tipo de animais terrestres. Diz ela textualmente: “Que a terra produza seres vivos segundo sua espécie: animais domésticos, répteis e feras segundo sua espécie, os animais domésticos segundo sua espécie e todos os répteis do solo segundo sua espécie, e Deus viu que isso era bom” (Gen 1,24-25). Notemos bem que tendo terminado de relatar a criação desse ambiente, a Bíblia afirma: “E Deus viu que isso era bom”.
Preparado o ambiente, para que fosse habitado, Deus criou o homem e a mulher “à sua imagem e semelhança” (Gen 1,26). E, como dom precioso, entregou-lhes tudo: “Eu vos dou todas as ervas que dão semente, que estão sobre a superfície da terra, e todas as árvores que dão frutos que dêem semente: isso será vosso alimento. A todas as feras, a todas as aves do céu, a tudo o que rasteja sobre a terra e que é animado de vida, eu dou como alimento toda a verdura das plantas, e assim se fez” (Gen 1,29-30). E, depois desse dom e do término da obra da criação, a Bíblia repete: “Deus viu tudo o que tinha feito: era muito bom” (Gen 1,31).
Portanto, a Sagrada Escritura tem uma visão positiva a respeito do meio ambiente, malgrado opiniões contrárias. Em verdade a testemunha  que Deus conduziu toda a criação ao homem “para ver como ele  chamaria (as criaturas): cada qual devia levar o nome que o homem lhe desse. O homem deu nomes a  todos os animais, às aves do céu e a todas as feras selvagens” (Gen 2,19-20). Dar nome é um gesto de carinho e de paternidade e não de dominação, no sentido moderno, como alguns acharam de interpretar. A dominação veio após.
Assim também, no episódio do dilúvio, Deus manifesta ainda seu apreço pela natureza, pelo meio ambiente. “Deus falou assim a Noé  e a seus filhos: Eis que estabeleço minha aliança convosco e com os vossos descendentes depois de vós, e com todos os seres animados que estão convosco: aves, animais, todas as feras, tudo o que saiu da arca convosco, todos os animais da terra” (Gen 9,8-10). Aliança é um acontecimento entre pessoas, grandemente positivo.



2.    Donde veio, pois, a dominação e o desperdício da natureza?

Na época em que a Escritura Sagrada foi escrita, a humanidade se fazia a mesma pergunta angustiante que hoje nos fazemos: Se Deus disse que “tudo era muito bom”, se Deus é bom, donde veio, então, a maldade humana, que reside em nós e tem – e, hoje, todos o sabemos –, tanta influência e repercussão destruidora de nós mesmos e do meio ambiente em que vivemos?
Existem, em nós, tendências para o mal, para a destruição e, facilmente, satisfazemos tais tendências em detrimento da harmonia de nosso ser, da sociedade e da natureza, iludindo-nos de encontrar assim a realização pessoal, a felicidade.
A resposta da Bíblia está descrita no capítulo três do Gênesis. Com uma alegoria, esse capítulo nos descreve um acontecimento de grande e universal importância. Nele encontramos uma certa explicação para o problema do mal no mundo. Nele se descreve a origem da maldade humana. Mas onde reside tal origem?
Hoje, por exemplo, os comentaristas, diante da crise financeira, estão de acordo em afirmar que a sua origem é a “ganância”. Mas, de onde veio a ganância? Outros generalizam isso mais ainda, ao falarem do egoísmo que mora em nós. Mas de onde veio o egoísmo?
Precisamos olhar para a referida alegoria, para ver a origem do mal. O maligno, no símbolo da serpente, explorou exatamente a nossa natureza de seres dotados de espírito que conhecem e amam e que aspiram insaciavelmente o infinito, o absoluto, a posse de Deus. Por criação somos um vazio de Deus.
Até Jean-Paul Sartre, filósofo contemporâneo, reconheceu esta nossa realidade insaciável, este vazio de Deus. Entretanto, como um ateu contumaz, declarou que esse anseio não tem finalização, não tem sentido, já que Deus não existe. Em razão disso, afirmou que a vida humana é “uma paixão inútil”.
Foi exatamente isso que o tentador explorou: a fim de preencher o vazio de Deus, propôs ao homem e à mulher separarem-se de Deus, insinuando-lhes que, por estarem unidos a ele, estariam sempre de olhos fechados e sem rumo, ao passo que, separados dele, os “vossos olhos se abrirão, e sereis como deuses, versados no bem e no mal” (Gen 3,5).
Desde então, como por um processo genético, o afastamento de Deus, em lugar de abrir os olhos, produziu a verdadeira cegueira. Desde então, vivemos da ilusão de que nossos “olhos” sabem encher o vazio de Deus. O que enxergam, porém, são sucedâneos para esse vazio: os prazeres, as riquezas, a cobiça, o orgulho, a dominação.
O grande filósofo pagão, Aristóteles, em sua Ética a Nicômaco, escreve que o néscio se ilude, “colocando a felicidade nos prazeres, nas riquezas e nas honras. O sábio, porém, coloca a felicidade no Sumo Bem”. Essa tentativa de preencher o vazio com sucedâneos é, precisamente, o que desorganiza nossa natureza e também o mundo ao nosso redor.
O primeiro desequilíbrio está em nosso próprio ser. A seguir produzimos o desequilíbrio ao nosso meio ambiente. Não é que os prazeres, as riquezas, a ambição etc. sejam maus. Eles são maus, quando se sobrepõem às outras dimensões de nosso ser. Se, com efeito, julgamos que a crise financeira atual brota da “ganância”, isto significa que se pretende ser como Deus,  acima do bem e do mal, e encaminhar tudo em proveito do “ego”, ao custo da dilapidação da natureza.
Eis a causa do desperdício do meio ambiente: já que não enchemos o vazio de Deus com o objeto próprio, que é Deus, tentamos insaciavelmente preenchê-lo com sucedâneos, com ersatz. E nessa corrida não há limites, somos insaciáveis porque o desejo é de infinito.

3.    O resgate do meio ambiente

A Bíblia, em sua divisão clássica, compõe-se de duas partes: o Antigo e o Novo Testamento. Mas, para o efeito do que estamos tratando, poderíamos dividi-la, como sua primeira parte, os dois primeiros capítulos, os da criação e os da “queda” com suas conseqüências, e como segunda parte todos os demais capítulos.
O meio ambiente já não será mais tranqüilo e pacífico. Deus disse a Adão: “Porque comeste da árvore que eu te proibira de comer, maldito é o solo por causa de ti. Com sofrimento te nutrirás dele todos os dias de tua vida. Ele produzirá para ti espinhos e cardos e comerás a erva dos campos. Com o suor de teu rosto comerás teu pão até que retornes ao solo, pois dele foste tirado. Pois tu és pó e ao pó tornarás” (Gen 3, 17-19).
 Isso quer dizer que, rebelado o homem, toda a natureza e o ambiente se tornaram adversos, não por sua causa, mas por causa do homem. Antes, a natureza era o jardim do Éden, depois, tornou-se o “vale de lágrimas”.
A partir daí, entretanto, a natureza toda e os homens, em primeiro lugar, não foram abandonados. Deus começa, logo após o terceiro capítulo da Bíblia, e ao correr de todo o resto da Bíblia, a falar em aliança com o homem e com a natureza, sobretudo a partir do capitulo 12 do livro do Gênesis, quando escolhe Abraão e lhe diz: “Faço aliança contigo e com tua posteridade, uma aliança eterna, de geração em geração, para que eu seja o teu Deus e o Deus de tua posteridade” (Gen 17,7).
Toda a seguinte parte da Bíblia passa a representar o esforço, por assim dizer, que Deus faz para resgatar o homem e, com ele, a natureza, o meio ambiente. Quem melhor expressou isso, com palavras certas, foi São Paulo. Escreve ele: “Toda a criação espera ansiosamente a revelação dos filhos de Deus; pois a criação foi sujeita ao que é vão e ilusório, não por seu querer, mas por dependência daquele que a sujeitou.Também a própria criação espera ser libertada da escravidão da corrupção para a liberdade que é a glória dos filhos de Deus. Com efeito, sabemos que toda a criação, até o presente, está gemendo como que em dores de parto, e não somente ela, mas também nós, que temos as primícias do Espírito, gememos em nosso íntimo, esperando a condição filial, a redenção de nosso corpo” (Rm 8,19-23).
A natureza toda, portanto, assim como participou da escravidão do pecado e foi depredada, também esteve e está destinada a participar da “liberdade dos filhos de Deus”. Essa liberdade refere-se ao fato inimaginável, impensável, surpreendente, do Filho de Deus que se faz natureza, que assume a natureza humana e vive ligado intimamente à natureza, à terra, à água, aos montes, ao lago, às aves, aos animais, às plantas, à videira, à oliveira, aos trigais, às flores, aos lírios do campo, a toda a natureza, como meio ambiente do homem.
Ao assumir a natureza humana, assume junto todo o meio ambiente, a morada por ele próprio preparada para o homem. Como já vimos, a decadência do homem significou a decadência de seu meio ambiente, pois a natureza toda está ordenada ao seu Criador, mediante a criatura racional. Esta criatura, dotada de consciência, tem como fim exercer a mediação de toda a natureza desprovida de razão, de consciência.
Portanto, a elevação do homem, o enobrecimento do homem vai representar a elevação, o enobrecimento do meio ambiente. Foi por isso que, desde os primeiros cristãos, se disse que Deus se fez homem, a fim de fazer dos homens deuses. Agora, sim, a proposta do tentador que insinuou Eva e Adão o afastamento de Deus e que os faria deuses, se realizou não por obra e graça do próprio homem, mas por Jesus Cristo, o Filho de Deus feito homem. Da mesma forma, poderíamos também dizer que Deus se faz natureza a fim de fazer da natureza coisa divina. Ele não desdenha nada do homem, como também da natureza e do meio ambiente. Ao contrário, ao resgatar o homem, resgata com ele toda a criação. 
Foi o que nos ensinou São Paulo, na sua Carta aos Romanos, há pouco citada. Toda a criação “geme e sofre como que dores de parto até o presente dia, para participar da gloriosa liberdade dos filhos de Deus”. Portanto, o resgate do homem significa também o resgate do meio ambiente e, nesse clima, não há lugar para a depredação, mas para o resgate.

4.    A Igreja Católica e o meio ambiente

Estou falando do Catolicismo e do Meio Ambiente. Ora o Catolicismo é representado pela instituição Igreja Católica. Cremos que Jesus Cristo confiou a Pedro e aos Apóstolos e a seus sucessores o chamado “depósito da fé”, recordado na introdução.
Como membros desta instituição, cabe perguntar-nos não só sobre a opinião das autoridades eclesiásticas, a respeito do meio ambiente, mas também sobre a opinião e a prática dos membros dessa instituição.
Em primeiro lugar, sobre a opinião das autoridades basta que citemos as palavras do Papa João Paulo II proferidas na Zona Austral do Chile, em Punta Arenas, no dia 04 de abril de 1987:
“Desde o Cone Sul do Continente Americano e frente aos ilimitados espaços da Antártica, lanço um chamado a todos os responsáveis de nosso planeta para proteger e conservar a natureza criada por Deus: não permitamos que nosso mundo seja uma terra cada vez mais degradada e degradante”[2].
Bento XVI, igualmente, em maio de 2007, em seu discurso aos jovens, no Estádio do Pacaembu, em São Paulo, chamou a atenção sobre a “devastação ambiental da Amazônia e as ameaças à dignidade humana de seus povos” e pediu aos jovens “um maior compromisso nos mais diversos espaços de ação”[3].
O Catecismo da Igreja Católica (CIC), publicado em 1992, traz longo capítulo sobre a criação. Depois de falar da criação, toda feita para o homem, cita um sermão de São Pedro Crisólogo, do século V: “Quem é, pois, o ser que vai vir à existência cercado de tal consideração? É um homem, grande e admirável figura viva, mais precioso aos olhos de Deus do que a criação inteira: é o homem, é para ele que existem o céu e a terra e o mar e a totalidade da criação, e é à salvação dele que Deus atribuiu tanta importância, que nem sequer poupou seu Filho único em seu favor” (CIC n. 358).
Portanto, por dois motivos Deus tudo criou, para a manifestação de sua glória e para nossa felicidade. Tendo todas as criaturas o mesmo Criador e estando todas elas ordenadas à sua glória, existe uma solidariedade entre todas elas (Cf. CIC, n. 344). Tal solidariedade fundamenta a admiração e o respeito para com todo o nosso meio ambiente.
A estas alturas o Catecismo cita um trecho da poesia de São Francisco de Assis, O Cântico do irmão Sol:

Louvado sejas, meu Senhor,
Com todas as tuas criaturas,
Especialmente o senhor irmão Sol,
Que clareia o dia
E com sua luz nos alumia.

E ele é belo e radiante
Com grande esplendor.
De ti, Altíssimo, é a imagem.

Louvado sejas, meu Senhor,
Pela irmã Lua e as Estrelas,
Que no céu formastes claras,
Preciosas e belas.

Louvado sejas, meu Senhor,
Pelo irmão Vento,
Pelo ar, ou nublado,
Ou sereno, e todo o tempo,
Pelo qual às tuas criaturas dás sustento.

Louvado sejas, meu Senhor,
Pela irmã Água.
Que é muito útil e humilde
E preciosa e casta...

Louvado sejas, meu Senhor,
Pelo irmão Fogo
Pelo qual iluminas a noite
E ele é belo e jucundo
E vigoroso e forte.

Louvado sejas, meu Senhor,
Por nossa irmã, a mãe Terra,
Que nos sustenta e governa,
E produz frutos diversos
E coloridas flores e ervas.

Louvai e bendizei a meu Senhor,
E dai-lhe graças,
E servi-o com grande humildade.[4]

 Não podemos estranhar que São Francisco de Assis seja considerado o patrono da ecologia, do meio ambiente. Seus biógrafos descrevem o quanto ele respeitava a natureza e o quanto sofria ao ver maltratados animais ou vegetais[5].
Encontramos ainda sobre o meio ambiente orientações da Igreja Católica de grande valor e muito atuais. Um dos últimos pronunciamentos, encontra-se no Documento de Aparecida (DA), texto conclusivo da V Conferência do Episcopado Latino-Americano e do Caribe.  As cinco Conferências do Episcopado, realizadas desde 1955, foram de grande importância para orientar a ação pastoral da Igreja, em nossas regiões, mas foram também acolhidas e aprovadas por toda a Igreja.
Segundo esse documento, o meio ambiente é tratado à luz de dois fatos de extraordinária importância, isto é, a criação e a redenção.
Pela criação valoriza-se a natureza toda como nosso ‘hábitat’, preparado para nós por Deus mesmo, como vimos no início, já que “o Deus da vida confiou ao ser humano sua obra criadora para que ‘a cultivasse e a guardasse’” (DA, n. 470). Conseqüentemente, “o homem e a mulher são convocados a viver em comunhão com ele, em comunhão entre si e com toda a criação” (Ibidem).
O Documento de Aparecida fala da boa nova do destino universal dos bens e da ecologia:
 “Junto com os povos originários da América, louvamos ao Senhor que criou o universo como espaço para a vida e a convivência de todos os seus filhos e filhas e no-lo deixou como sinal de sua bondade e de sua beleza. A criação também é manifestação do amor providente de Deus; foi-nos entregue para que cuidemos dela e a transformemos em fonte de vida digna para todos. Ainda que hoje se tenha generalizado maior valorização da natureza, percebemos claramente de quantas maneiras o homem ameaça e inclusive destrói seu ‘hábitat’. “Nossa irmã, a mãe terra”, como diz São Francisco de Assis, é nossa casa comum e o lugar da aliança de Deus com os seres humanos e com toda a criação. Desatender as mútuas relações e o equilíbrio que o próprio Deus estabeleceu entre as realidades criadas, é uma ofensa ao Criador, um atentado contra a biodiversidade e, definitivamente, contra a vida. O discípulo missionário, a quem Deus confiou a criação, deve contemplá-la, cuidar dela e utilizá-la, respeitando sempre a ordem dada pelo Criador” (DA n.125)
 Além da criação, a valorização extraordinária do meio ambiente foi realizada pela redenção de Jesus Cristo. Junto com os seres humanos toda a natureza foi “assumida”, isto é, foram elevados a um sumo, sendo Cristo a cabeça dos humanos e por eles de toda a natureza. São Paulo nos fala dessa relação ascendente para Cristo. Fala-nos do desígnio do Pai de “reunir em Cristo todas as coisas, as que estão nos céus e as que estão na terra” (Ef 1,10). Conseqüentemente, escreve: “Tudo vos pertence... tudo é vosso... mas vós sois de Cristo, e Cristo é de Deus” (1Cor 3,21-23). 
Nessa dupla perspectiva, da criação e da redenção, o Catolicismo entende o respeito pelo meio ambiente, visto que tudo participa da divindade de Cristo.
O Documento de Aparecida, primeiro, constata que tal respeito não acontece na América Latina:
“A América Latina é o Continente que possui uma das maiores biodiversidades do planeta e uma rica sócio-diversidade, representada por seus povos e culturas. Há um grande acervo de conhecimentos tradicionais sobre a utilização dos recursos naturais, assim como sobre o valor medicinal de plantas e outros organismos vivos, muitos dos quais formam a base de sua economia. Tais conhecimentos são atualmente objeto de apropriação intelectual ilícita, sendo patenteados por indústrias farmacêuticas e de biogenética, gerando vulnerabilidade dos agricultores e suas famílias que dependem desses recursos para sua sobrevivência” (DA, n.83).
O Documento de Aparecida denuncia também a desumana exploração das pessoas e da natureza:
“Nas decisões sobre as riquezas da biodiversidade e da natureza, as populações tradicionais têm sido praticamente excluídas. A natureza foi e continua sendo agredida. A terra foi depredada. As águas estão sendo tratadas como se fossem mercadoria negociável  pelas empresas, além de serem transformadas num bem disputado pelas grandes potências. Exemplo muito importante nessa situação é a Amazônia” (DA, n.84).
Ao referir-se à Amazônia, o Documento afirma que “a crescente agressão ao meio-ambiente pode servir de pretexto para propostas de internacionalização da Amazônia, que só servem aos interesses econômicos das corporações internacionais” (DA n. 86).
Constata também “o retrocesso das geleiras em todo o mundo: o degelo do Ártico, cujo impacto já está se vendo na flora e na fauna desse ecossistema; também o aquecimento global se faz sentir no estrondoso crepitar dos blocos de gelo ártico que reduzem a cobertura glacial do Continente e que regula o clima do mundo” (DA n. 87).
O Documento constata também que “A riqueza natural da América Latina e do Caribe experimenta hoje uma exploração irracional que vai deixando um rastro de dilapidação, inclusive de morte por toda a nossa região. Em todo esse processo, tem enorme responsabilidade o atual modelo econômico, que privilegia o desmedido afã pela riqueza, acima da vida das pessoas e dos povos e do respeito racional pela natureza. A devastação de nossas florestas e da biodiversidade mediante uma atitude predatória e egoísta, envolve a responsabilidade moral dos que a promovem, porque coloca em perigo a vida de milhões de pessoas, em especial do hábitat dos camponeses e indígenas, que são expulsos para as terras improdutivas e para as grandes cidades para viverem amontoadas nos cinturões de miséria” (DA n. 473).
Em vista de tudo isso, o Documento de Aparecida diz a todos que “é necessário dar especial importância à mais grave destruição em curso da ecologia humana” (DA n. 472). Em seguida, apresenta cinco ações práticas importantes para todos os membros da Igreja, maximamente para a Igreja na América Latina e no Caribe:
a)                    “Evangelizar nossos povos para que descubram o dom da criação, sabendo contemplá-la e cuidar dela como casa de todos os seres vivos e matriz da vida do planeta...., educando-os para um estilo de vida de sobriedade e austeridade solidárias”.
b)                   “Aprofundar a presença pastoral nas populações mais frágeis e ameaçadas pelo desenvolvimento predatório, e apoiá-las em seus esforços para conseguir eqüitativa distribuição da terra, da água e dos espaços urbanos”.
c)                    “Procurar um modelo de desenvolvimento alternativo, integral e solidário, baseado em uma ética que inclua a responsabilidade por uma autêntica ecologia natural e humana, que se fundamenta no evangelho da justiça, da solidariedade e do destino universal dos bens, e que supere a lógica utilitarista e individualista, que não submete os poderes econômicos e tecnológicos a critérios éticos”.
d)                   “Empenhar nossos esforços na implantação de políticas públicas e participações cidadãs que garantam a proteção, conservação e restauração da natureza”.
e)                    “Determinar medidas de monitoramento e controle social sobre a aplicação dos padrões ambientais internacionais nos países” (DA n. 474).

Nesse documento da Vª Conferência do Episcopado da América Latina e do Caribe, temos, portanto, preciosos elementos que revelam quanto a Igreja Católica está preocupada com o meio ambiente, criado para ser hábitat, nossa própria morada. É, portanto, em função do homem e de seu destino eterno que ela manifesta tanta preocupação, pois se trata do hábitat por Deus mesmo criado para nós.

Conclusão

Felicito os promotores destas “Reflexões” sobre “Religiões e Meio Ambiente”, pois, as religiões, sobretudo as que se fundam na Bíblia, têm um grande apelo voltado ao amor pela nossa casa comum onde vivemos. É a casa que Deus, nosso Pai, preparou com muito carinho para nós. Devemos unir esforços a fim de preservá-la.
Não há dúvida, houve um grande progresso na consciência ecológica de todos. Recordo que eu mesmo, na minha infância, não conseguia entender as restrições das primeiras leis de proteção aos animais e às plantas. Perguntava-me por que tais restrições, se tudo me parecia tão abundante.
Falei do carinho com que Deus preparou nossa habitação. A sensibilidade pela natureza está muito relacionada com a experiência de um grande amor.
Penso que o amor é capaz de enriquecer nosso sentir pela natureza, como aconteceu com São Francisco de Assis e muitíssimos outros.
Falando disso, concluo fazendo uma referência sobre o seguinte: um grande amor faz sentir-nos em comunhão com a natureza. Pode até ser razoavelmente plausível o que muitos acreditam que podemos ter experiências chamadas holísticas, oceânicas, de trans-consciência, uma espécie de sentir-se identificado com todo o cosmos. Basta recordar as obras escritas de Fridjof Capra.
Acontece em algumas religiões, como na Católica, uma espécie de identificação no amor com toda a criação. Poderia citar muitos exemplos. Permito-me narrar apenas um: Vive ainda uma mulher russa, Tatiana Guritcheva, professora de filosofia marxista. Insatisfeita com sua filosofia e muito inquieta por encontrar um sentido para a vida, buscou todo tipo de experiências, sexo e drogas... Nessa busca terminou aderindo à ioga. Decorou vários mantras, entre eles até o Pai-nosso. No livro por ela escrito e intitulado, Falar de Deus é perigoso, ela narra:
“Eis que um dia (tinha vinte e seis anos, então), eu caminhava por um campo, dizendo as palavras do Pai-nosso. Depois de tê-lo repetido umas seis vezes, sem ter a menor fé na existência de um ‘Pai celeste’, recebi subitamente a resposta. A coisa mais inesperada, mais inimaginável me aconteceu. Tornou-se claro para mim que Ele existia. Não o deus anônimo dos iogues, mas o Pai dos Céus, cheio de amor. Ele me amava e amava todas as coisas que me estavam ao redor. Tudo ficou tão claro para mim, como se estivéssemos no primeiro dia da Criação. A pobre paisagem em torno se iluminou de uma alegria incomum, cada planta, cada folha parecia fremir de júbilo. Dir-se-ia que o mundo inteiro acabava de sair de suas mãos extravasantes de amor. Naquele momento, eu nasci de novo”.
Depois dessa virada em sua vida, ela foi expulsa da Rússia e, após viajar pelo mundo dando palestras, fundou um escritório na Alemanha, a fim de angariar fundos para as crianças abandonadas, sobretudo as da África.
Respeitemos, valorizemos a casa comum que Deus nos preparou com carinho de Pai!





[1] Diálogus, 8; cf Cola, Silvano, Operários da Primeira Hora, Cidade Nova Editora, tradução Pepe, Enrico,  2ª ed. 1987, 14.
[2] Citado no Documento de Aparecida, nº 87.
[3] Ib nº 85.
[4] (Cat. 344; cf São Francisco de Assis, escritos e biografias, Vozes 1996, p.70s).
[5] Cf  Inácio Larrañaga, O Irmão de Assis, Paulinas, 1980, p 102s. 

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