quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Corte no Bolsa Família excluiria 905 mil pessoas de programa no Rio Grade do Sul

Corte no Bolsa Família excluiria 905 mil pessoas de programa no RS Diego Vara/Agencia RBS

Quase dois terços dos beneficiários no Estados deixariam de receber recursos do programa de transferência de renda, estima o governo federal, caso houvesse o corte proposto pelo relator do orçamento de 2016



Caso avance a proposta de cortar R$ 10 bilhões do Bolsa Família no próximo ano, 905,1 mil pessoas poderiam ser excluídas do programa no Rio Grande do Sul. A projeção é do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), elaborada como forma de combater a ideia defendida pelo relator do orçamento 2016 do país, deputado federal Ricardo Barros (PP-PR), como opção para o Palácio do Planalto buscar o reequilíbrio fiscal. Em todo o Brasil, 23,2 milhões perderiam o benefício, indica a simulação do MDS.

A pasta estima que o número de 905,1 mil pessoas, equivalente a 63,7% do total de beneficiários no Estado, signifique 260,1 mil famílias impactadas. Desse contingente, para um grupo de quase 247 mil pessoas, ou 75,1 mil famílias, os reflexos seriam mais graves. A saída do programa de transferência de renda, sustenta o ministério, significaria a entrada delas na pobreza extrema.
A cientista política Ana Júlio Possamai, da Fundação de Economia e Estatística (FEE), vê desdobramentos diretos e indiretos caso a proposta de corte, que deverá ser apreciada pelo Congresso, seja colocada em prática. A perda da renda teria reflexo econômico negativo nos pequenos estabelecimentos de comércio e serviços das comunidades carentes onde há um grande número de beneficiários.

Além disso, haveria risco de retrocesso na atenção à saúde e aumento da evasão escolar. Para ganhar o Bolsa Família, há obrigação de os responsáveis garantirem a frequência das crianças nos colégios e visitas a unidades básicas de saúde para acompanhamento nutricional e vacinação.
— O que mais preocupa é que, se essas famílias forem abandonadas, haverá impacto em todo o arcabouço do programa, que não é apenas transferência de renda. Essas crianças têm acompanhamento de saúde, como a vacinação, e de frequência escolar. Será que elas continuarão a receber os mesmos cuidados? — questiona a cientista política, temendo que, sem a obrigação vinculada ao benefício, os pais deixem de dar importância às contrapartidas.

Autora de um trabalho para o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) sobre o funcionamento do programa, a socióloga Aline Hellmann, pesquisadora do centro de estudos sobre governos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), também contesta a iniciativa do deputado paranaense.
— Impactaria no desenvolvimento humano das próximas gerações. O programa foi apontado pela ONU como um dos principais fatores para a retirada do Brasil do mapa da fome mundial. Vários países querem adotá-lo, mesmo que parcialmente — acrescenta Aline.

O diretor de articulação com os municípios da Secretaria Estadual de Educação (Seduc), Itamar Baptista Chagas, classifica como "cruel" a possibilidade de enxugamento do programa e, embora evite arriscar números, admite que haveria grandes chances de subir a evasão escolar no Rio Grande do Sul, hoje de 1,5% na rede estadual e 1,3% na municipal.
— Poderia aumentar porque o benefício é vinculado. E seriam atingidos principalmente os que estão em maior estágio de vulnerabilidade — observa Chagas.
Segundo o MDS, apenas no Rio Grande do Sul, entre o grupo que poderia ser jogado na pobreza extrema, há 82,4 mil crianças e adolescentes de sete a 17 anos, em idade escolar.
Grande família de Marta conta com benefício
Com os R$ 254 que recebe do Bolsa Família, Marta Antonia Martins Santos, 48 anos, faz malabarismo para garantir comida na mesa para os filhos biológicos e os de coração, como gosta de definir. Moradora da Vila Maria da Conceição, no bairro Partenon, na Capital, sustenta uma casa humilde, mas organizada, de quatro pequenos cômodos onde vivem mais cinco pessoas que dependem dela.
A afilhada Maria Fernanda Teixeira, sete anos, foi acolhida por Marta há sete meses devido a problemas de saúde da mãe. Raiane Ranaine, seis anos, é filha de um casal de conhecidos. Os pais da garota tiveram de acertar contas com a Justiça e Marta a levou Raiane para casa há três anos, após a criança passar oito meses em um abrigo. As duas meninas são colegas da filha biológica, Talissa Martins dos Santos, sete anos, no 1º ano do Ensino Fundamental, trio que mostra com orgulho os cadernos caprichados. Atenta ao noticiário, Marta soube da possibilidade de o Bolsa Família perder parte dos recursos. Garante não ser o que faria, mas já imagina a consequência.
— Muita criança vai sair do colégio. Ouço muitas mães falarem para os filhos: vai para a aula, se não eu perco o Bolsa Família — relata Marta.
O recurso, diz Marta, dá para comprar apenas o básico – arroz, feijão, açúcar e, às vezes, algumas bananas e maçãs. Além das crianças, precisa agora garantir a mesa para um filho de 18 anos recém saído da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase) e outro de 23 anos, desempregado.
Ainda não sabe como faria se perdesse o benefício. Tenta voltar ao mercado de trabalho, mas lembra que teria de pagar outra pessoa para cuidar das crianças. Provavelmente, pouco sobraria do salário.
— A Marta é a nossa mãe social voluntária. Se não fosse ela, essas crianças estariam em um abrigo — diz Flavia Darski, psicóloga do Centro de Referência de Assistência Social, da prefeitura da Capital, no bairro Partenon.

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