São Paulo – Depois de quase uma semana fora do Brasil para participar da cúpula do G-20, o presidente Michel Temer (PMDB) inicia só agora o exercício de seu governo efetivo de fato.
A principal missão do peemedebista nesses dois anos e meio que lhe restam de mandato é, sem dúvida alguma, recuperar o desempenho econômico e colocar as contas do país em ordem — objetivo que ele deixou bem claro em seu primeiro pronunciamento em cadeia nacional logo após o impeachment de Dilma Rousseff.
“Ele tem dois problemas para resolver. Um é político e o outro é econômico. O econômico não se resolve rápido. Na parte política, ele teria que concentrar todos esforços. Os próximos meses são fundamentais para ele sinalizar que irá governar com o Congresso”, afirma Oswaldo do Amaral, professor de Ciências Polícias da Unicamp.
Sem o peso da interinidade nos ombros e com metas ambiciosas para o exercício do seu poder, Temer, contudo, deve enfrentar desafios semelhantes aos vividos pela ex-presidente em seus dias mais difíceis no cargo.
O "problema-solução" Renan
Ao participar da ofensiva que livrou Dilma Rousseff da cassação de seus direitos políticos, o peemedebista Renan Calheiros, que preside o Senado Federal, colocou o Palácio do Planalto em alerta.
“Renan Calheiros é sempre o problema e a solução”, afirma Marcelo Issa, diretor da Pulso Público.
Com uma elevada capacidade de articulação, o presidente do Senado é o aliado que todo chefe do Executivo precisa no Congresso. No entanto, e Dilma aprendeu isso na pele, Calheiros é especialista em posicionamentos dúbios – por vezes, incógnitos.
No caso de Temer, o passado pesa. Ele e o presidente do Senado eram, até pouco tempo, desafetos declarados.
No segundo dia do julgamento do impeachment, o senador alagoano parecia ter deixado o passado para trás ao bater boca com petistas e ao expor a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR).
Naquele momento, vários peemedebistas assistiram à cena com a certeza de que Renan estava colocando um ponto final na parceria que mantinha com a então presidente afastada Dilma Rousseff e, dessa forma, estaria partindo para o outro lado.
O que poucos sabiam é que, naquele mesmo dia, o presidente do Senado entraria para o time dos que articularam a divisão da votação das penas do impeachment de Dilma.
No derradeiro dia do julgamento do impeachment, com a Constituição Federal nas mãos, declarou: “Afastar a presidente da República é constitucional, mas não é da Constituição inabilitar a presidente da República como consequência do seu afastamento”. Com essa imagem inaugurou a primeira das traições do governo efetivo de Temer.
O fim da lua de mel com a base
A manutenção dos direitos políticos de Dilma Rousseff foi o pivô da primiera crise da base aliada de MIchel Temer após o impeachment, cujos partidos ameaçaram até deixar o governo.
Uma semana depois, aparentemente, os ânimos já foram apaziguados. Mas isso não significa que a relação entre governo e aliados está em clima de lua de mel.
Tal qual Dilma, Temer tem que lidar com a elevada fragmentação partidária que define hoje o Congresso Nacional. No caso da petista, a dificuldade para articular uma coalizão diante de um Legislativo dividido foi determinante para o fim de seu mandato.
No caso de Temer, há esforços para se blindar de tal sina. A formação inicial de sua equipe ministerial prova isso.
Segundo levantamento da Pulso Público, a taxa de coalescência (que mede a proporção entre a importância dos partidos da base aliada no Congresso e a quantidade de ministérios recebidos por cada legenda) do primeiro arranjo ministerial do peemedebista estava em 0,805. Durante o segundo mandato da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), não passou de 0,714 – o pior desempenho nesse quesito desde o governo Collor.
Compartilhar cargos no poder parece não ser o suficiente ainda. “O governo depende ainda bastante do centrão, que equivale a 42% da Câmara. Embora boa parte desses partidos façam parte do governo oficialmente, eles não estão dispostos a aprovar medidas simplesmente por aprová-las”, diz Thiago Vidal, coordenador de análise política da Prospectiva.
As ambições políticas do PMDB e aliados para 2018, por outro lado, podem desmantelar a base de Temer antes mesmo do segundo semestre do ano que vem, segundo analistas consultados por EXAME.com.
“A relação [entre PMDB e PSDB] pode virar um problema caso Temer queira se candidatar em 2018. Esse não é o projeto com o qual o PSDB contava uma vez que o processo de impeachment foi viabilizado na perspectiva de dois anos de governo Temer e só”, afirma Marco Antonio Teixeira, vice-coordenador do curso de Administração Pública da FGV/EAESP.
Nesta quinta, governo e aliados protagonizaram uma verdadeira queda de braço para aprovar o reajuste salarial dos ministros do Supremo Tribunal Federal — medida em descompasso com o ajuste fiscal, que Temer pretende aprovar em breve, e desaprovada pelos partidos da base.
As jornadas de setembro de 2016
As manifestações que, a princípio, foram classificadas por Michel Temer como “inexpressivas” ganharam forças nos últimos dias.
Nesta quarta (7), segundo organizadores, cerca de 200 mil manifestantes ocuparam ruas em cidades de 25 estados mais Distrito Federal enquanto o peemedebista foi alvo de gritos de “fora, Temer” no desfile de 7 de setembro e na abertura da Paralimpíada.
Guardadas as devidas proporções e as bandeiras encampadas pelos manifestantes, a linha do tempo dos atos de hoje lembram a narrativa que transformou as jornadas de junho de 2013 em um dos maiores movimentos populares da história do país — e um dos primeiros abalos do governo de Dilma Rousseff.
“As manifestações tendem a comprometer ainda mais a tentativa do governo de rebater a tese do golpe junto à comunidade internacional”, afirma Marcelo Issa, da Pulso Público.
Vale lembrar que Michel Temer amarga índices de reprovação semelhantes aos de Dilma.
A ameaça Eduardo Cunha
Mesmo afastado do exercício das funções de deputado e longe da presidência da Câmara, o peemedebista Eduardo Cunha continua cumprindo seu papel de ameaça de desestabilização para qualquer governo.
A expectativa é de que seu processo de cassação — que já é o mais longo da história da Casa — seja votado no próximo dia 12 de setembro. Mas não há garantias de que nada pode mudar até lá.
Nesse tema especificamente, o governo Temer pisa em ovos. “Não cassar vai ser muito ruim para a opinião pública porque vai gerar desconfiança dentro do próprio governo”, afirma Marco Antonio Teixeira, vice-coordenador do curso de Administração Pública da FGV/EAESP.
No entanto, ainda não se sabe até onde vai a lealdade do grupo de aliados que Eduardo Cunha ainda mantém na Câmara. “Se ele ainda tiver esse poder em mãos, esses cem parlamentares podem ser o fiel da balança tanto para dar governabilidade quanto para criar dificuldades para Temer”, diz o professor da FGV.
Os efeitos da Lava Jato
Responsável por uma das rachaduras na margem de articulação do PT dentro do Congresso, a Operação Lava Jato promete abalar também o novo governo. De acordo com previsão da consultoria Prospectiva, ao menos 11 ministros de Temer podem ser citados na delação de Marcelo Odebrecht e de outros executivos da empreiteira.
Fora isso, novas investigações da Polícia Federal trazem indícios de que o PMDB e quatro senadores da legenda teriam recebido propina das empresas que construíram a usina de Belo Monte, no Pará, por meio de doações legais que, nas eleições de 2010, 2012 e 2014, somaram 159,2 milhões de reais.
A cassação da chapa
Ainda tramita no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o processo de cassação da chapa Dilma-Temer. A acusação, protocolada pelo PSDB - hoje aliado de Temer, alega que a campanha que conduziu ambos ao poder em 2014 teria sido financiada com recursos oriundos do esquema de corrupção da Petrobras. Se a ação avançar, Temer pode ter seu mandato abreviado.
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