São Paulo - A menos de uma semana das eleições, Luiza Erundina, candidata do PSOL à prefeitura de São Paulo, disputa votos diretamente com Fernando Haddad, atual prefeito e candidato do PT, partido que ela ajudou a fundar e pelo qual geriu a capital paulistana há quase três décadas, entre 1989 e 1992.
Nas últimas eleições ela chegou a ser anunciada como vice do atual prefeito, mas deixou a chapa depois que o PT se coligou com Paulo Maluf (PP) com a bênção e interlocução de Luiz Inácio Lula da Silva. Agora, nas mais recentes pesquisas eleitorais, Erundina aparece em 5º lugar, atrás de Haddad, com quem divide votos da esquerda e também nas periferias da capital.
Em entrevista exclusiva a EXAME, Erundinda afirma que o PT — partido que ela deixou em 1998 — está em crise exatamente pelos acordos heterodoxos que estabeleceu ao longo dos anos. “Não pode dar certo governar com uma aliança de A a Z. Você tem que ter cara, tem que ter lado, tem que ter oposição, não pode se misturar com os seus inimigos”, afirma.
Aos 81 anos, ela é a mais velha candidata à prefeitura da cidade e diz que tem sido alvo de preconceitos durante a campanha. “Eles me massacraram porque eu sou mulher, sou nordestina, sou de esquerda, trabalhava com os favelados, sou de origem humilde. E agora eu sou idosa”, afirma.
No entanto, ela diz que a maturidade, especialmente política, está a seu favor e que tem muito fôlego para administrar a cidade. “Os sonhos não envelhecem. E os sonhos podem e vão governar", diz.
Acompanhe a entrevista completa da candidata a EXAME
A senhora ajudou a fundar o PT, mas saiu do partido por estar insatisfeita com a condução das propostas da legenda. Acha que essa crise política marca a derrocada da sigla?
Luiza Erundina: Lamentavelmente, a corrupção no país é atávica. A corrupção não começou com o PT, o PT é que nunca poderia ter feito concessões de ordem nenhuma, muito menos de ordem ética e moral. Então, [a crise] explodiu em um modelo de governo que já está exaurido, que é o tal do presidencialismo de coalizão, ou seja, não pode dar certo você governar com uma base de A a Z. Não é possível ter acordo entre pessoas divergentes e antagônicas nos seus interesses. O PT é de fato um partido de massa e esse partido não desaparece por conta de uma crise dessa. Mas vai ter que fazer autocrítica, retomar o curso da sua história e de seus compromissos originais e certamente vai fazer isso. Para a esquerda, é importante a preservação do PT como partido que já foi a principal força de esquerda no Brasil.
A senhora chegou a ser anunciada como vice do Haddad, mas desistiu por causa de uma aliança com Paulo Maluf. Hoje a senhora acha que fez a coisa certa?
Certíssima, eu faria igualzinho. Você é analisada e julgada pelas companhias que você tem. E tanto é verdade que as dificuldades do governo PT, seja na cidade seja no país, se deve a essa base de aliança tão heterodoxa. No espectro político-ideológico, isso não dá certo. Você tem que ter cara, tem que ter lado, tem que ter oposição, não pode se misturar com os seus inimigos, inimigos de classe, inimigos do povo. O Maluf é um inimigo do povo. Eu não estaria confortável como vice em um governo assim. O poder não me importa a qualquer preço.
Na corrida eleitoral, o que vai fazer para não perder votos com Marta Suplicy (PMDB), Haddad e Celso Russomanno (PRB), que dividem o eleitorado com a senhora na periferia?
As pesquisas dizem que só 1% do meu eleitorado migra para o Haddad. Além disso, são duas propostas diferentes. Nós estamos à esquerda do PT. Se fosse uma proposta igual, não precisava ter dois partidos disputando. Como vou convencer os eleitores que há diferença? É mostrar que são duas propostas diferentes e passar as nossas ideias, os nossos compromissos, a nossa visão de cidade.
Há críticas de que a senhora é muito idosa para assumir um novo mandato. Como responde a elas?
É mais um preconceito. Eles me massacraram porque eu sou mulher, sou nordestina, sou de esquerda, trabalhava com os favelados, sou de origem humilde. E agora eu sou idosa. Então, quem sabe, isso possa ser um fator positivo de uma população que está envelhecendo a olhos nus. A evolução dos tempos está gerando longevidade e a longevidade significa um dom, uma graça. É uma graça você viver isso. Todo mundo vai envelhecer, mesmo os jovens de hoje se preparem porque um dia vão ser velhos. E os sonhos não envelhecem, eles podem e vão governar.
A senhora concluiu o cargo de prefeita em 1992 com apenas 20% de aprovação, segundo o Datafolha, marca que supera apenas o Celso Pitta, entre 1997 e 2000, e o Haddad. Por que essa baixa popularidade?
Esse número tem insistentemente sido trazido a público e não é correto, porque uma coisa é ótimo e bom e outra coisa é regular. Já fazem 27 anos e como é que se explica que hoje eu ainda apareça com 10% nas pesquisas se foi tão ruim o meu governo? É uma informação preconceituosa e que demonstra que eles têm medo da minha candidatura. Aí ficam a lembrar de um governo de 27 anos atrás que hoje está sendo mais lembrado, mais aprovado e mais reconhecido do que na época.
Não venham me comparar com outros péssimos governos que essa cidade viveu, até do ponto de vista ético e do ponto de vista da corrupção, como foram os governos Pitta e Maluf. E foi por isso que eu não me compus em uma chapa onde o tal do Maluf figuraria como um dos aliados daquela candidatura. Eu sou muito rigorosa nos meus compromissos, sobretudo nos meus compromissos éticos, morais. No meu currículo não cabe nenhuma insinuação de ilegalidade, de corrupção ou de imoralidade. Essa é a minha marca e eu vou morrer com essa marca.
A senhora foi condenada a ressarcir aos cofres públicos cerca de R$ 353 mil reais por pagar por um anúncio na Folha a favor da greve geral dos servidores municipais na sua gestão. Houve ilegalidade nesse caso?
Foi um dia de greve nacional dos sindicatos contra a política econômica vigente no país na época, com inflação de 80% ao mês e com desemprego em massa. A CMTC [Companhia Municipal de Transportes Coletivos] operava um terço do transporte da cidade, ou seja, 3 mil ônibus. Eu peguei uma frota sucateada, com estoque zerado de equipamentos para manutenção, e eu temia que se os ônibus fossem liberados para paralisação, eu correria o risco de a cidade ter a depredação de alguns ônibus que já eram indispensáveis e insuficientes para operar o sistema da cidade. Eu fiz uma matéria paga com recurso público informando que os ônibus não sairiam das garagens não por adesão à greve, mas para impedir a deterioração da frota que iria prejudicar mais ainda o transporte.
Depois, um inimigo do governo e meu pessoal moveu uma ação civil e essa ação foi rolando ao longo de mais de 20 anos. Eu não consegui reverter essa situação na Justiça e, quando ela foi decidida, eu coloquei à disposição o meu único apartamento, onde eu moro, e o único carro que eu tenho. Aí a população viu que era injustiça contra um governo absolutamente honesto e juntou o dinheiro suficiente para eu pagar a dívida. Não fiquei devendo a ninguém. Salvei o meu apartamento, senão estaria pagando aluguel hoje, e o carrinho ainda está me servindo em Brasília, que eu me levei para me locomover na cidade.
A senhora vai sair do PSOL quando o seu partido, a Raiz, for fundado?
Se eu for eleita, vou cumprir o mandato pelo PSOL. A Raiz é movimento social, não é partido ainda e pode ou não virar partido. Ele é um "movimento partido", portanto, quem quiser ficar no Raiz Movimento Cidadanista pode fazê-lo sem ter que se filiar ao partido. Só não pode evidentemente ter os direitos que a lei exige para ser candidato, para disputar o poder.. .
Como a senhora limitou o número de parcerias e o PSOL tem pouca representatividade na Câmara, como terá governabilidade se eleita?
No meu governo, eram outras pessoas que faziam a relação com a Câmara, como o secretário de governo. Desta vez, eu quero eu mesma cuidar da relação com o poder legislativo, mas com transparência e com absoluto rigor em termos de ser uma relação republicana, não pode ser nas salas fechadas. Não tendo isso, eu vou fazer o que eu fiz na minha gestão, ou seja, governar com o povo apoiando e pressionando a Câmara.
Eu já tenho experiência porque eu governei quatro anos com minoria na Câmara, já que eu não queria fazer concessões éticas, como trocar voto de vereador por cargo para afiliado deles. Hoje as subprefeituras estão todas com gente indicada por vereador, aí é fácil ser maioria, mas a que preço? Nas subprefeituras eu vou fazer uma lista tríplice formada por pessoas da comunidade e não a indicação feita por vereador que ocorre hoje, que vira um balcão de negócios.
A cidade tem R$ 27,5 bilhões em dívidas com o governo federal. O que faria para administrar as finanças e aumentar o caixa de uma cidade endividada em época de recessão econômica?
Para aumentar o caixa, nós vamos recuperar a dívida ativa do município. São R$ 66 bilhões que grandes contribuintes devem à prefeitura. Nós vamos ter 5% de meta anual para resgatar essa dívida dos contribuintes. Isso vai dar em mais de R$ 3 bilhões por ano em retorno. O prefeito conseguiu uma negociação boa [da dívida da cidade com o governo federal], caiu de cerca de R$ 73 para R$ 30 bilhões, porém ele não questionou os juros compostos.
Vamos ao STF para conseguir aquilo que os estados conseguiram, que é o pagamento de juros sobre juros simples. Aliás, foi feito uma CPI pela Câmara Municipal que demonstrou irregularidades de como a dívida pública do município é calculada e é paga. Nós vamos fazer uma auditoria independente dessa dívida, pagar aquilo que é devido, e não vamos pagar por aquilo que é abuso, excesso, indevido.
A senhora implantaria tarifa zero no transporte público, se eleita?
No meu governo nós propusemos a implantação da tarifa zero criando um fundo municipal para evitar que o custo de um serviço que é essencial para a cidade fique só nas costas do usuário direto. É uma política que se adota em vários países do mundo e inclusive em algumas cidades do interior de São Paulo e do Rio de Janeiro. Mas não consegui aprovar na Câmara Municipal naquela época. Aí, depois de mais de 25 anos, essa proposta vem com muita força através do Movimento Passe Livre.
Vamos começar implantando aos finais de semana, aos domingos, para que as pessoas possam visitar parentes, fazer compras, ir a um teatro, a um parque. E também dentro dos bairros. Isso nós já fizemos na Cidade Tiradentes quando nós estávamos no governo e a população aprovava. A ideia é ir agregando novos horários, novos dias de trabalho para até o final do governo a gente ter conseguido implantar totalmente.
Luiza Erundina e o vice de sua chapa, Ivan Valente, em caminhada pela cidade: tarifa zero no transporte público seria implantada e fila das creches seria zerada, promete a candidata à prefeitura
Uma das bandeiras da sua gestão foram as moradias populares. Como promoveria a construção dessas moradias em um momento de crise econômica? O governo Haddad não conseguiu trazer mais verbas federais, por exemplo.
Primeiro, há como a gente aumentar a receita do município, cobrando a dívida ativa e, com isso, você pode aplicar, por exemplo, em habitação popular. E a nossa proposta é em mutirão, nós construímos 40 mil unidades habitacionais no nosso governo só com recursos próprios da prefeitura. E 10 mil em mutirão porque reduz custos, já que cai em 40% o valor do imóvel construído em mutirão. Além de formar novos profissionais nas técnicas de construção, fábrica de bloco, fábrica de pré-moldados. Nós fizemos uma série de ações que baratearam custos e aumentaram a capacidade de responder à demanda de moradias populares na cidade.
O déficit de vagas para creches é de cerca de 103 mil crianças (último dado publicado pela secretaria municipal). Vai ser possível “zerar” essa fila?
Nós vamos zerar até o final do governo. E desde já vamos congelar os contratos com as OS [Organizações Sociais] porque 1.700 creches são administradas por OS e 1.500 creches são administradas diretamente. Nós não vamos fazer novos convênios e vamos trazer para a prefeitura essa gestão, além de construir mais creches.
Como a senhora vai reorganizar a segurança da cidade? A gestão Haddad tem sido criticada pela falta de eficiência da Guarda Civil Metropolitana (GCM) e episódios de violência da guarda contra a população.
A GCM, de acordo com a Constituição, não é uma polícia, não é para reprimir o crime, é para prevenir. É para garantir a guarda do patrimônio público, a segurança das pessoas nos parques, nas escolas, nos órgãos públicos. Já foi feito um concurso, tem mais de 4 mil guardas concursados e até hoje não se ampliou o contingente da guarda. Nós vamos contratar esses novos profissionais e a guarda tem que ser melhor formada para não reprimir a população.
A segurança também se garante através de uma iluminação pública adequada, urbanização das áreas que estão mais abandonadas, com uma limpeza pública adequada. E [vamos] exigir e cobrar do governo estadual aquilo que lhe é de sua obrigação, que é o policiamento não para reprimir movimento. Hoje, a polícia do estado, ao invés de garantir ao cidadão a liberdade de expressão e de manifestação, ela reprime, agride, violenta. Vou exigir do governo do estado que a função pública seja devidamente prestada, particularmente na capital, que é onde o problema da violência e da insegurança se dá de forma mais aguda.
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